2008-05-13

Os biocombustíveis, a BP-Berkeley, e o novo imperialismo ecológico
por Hannah Holleman e Rebecca Clausen [*]

British Petroleum, Beyond Petroleum ... Biofuel Promoter, Biosphere Plunderer. [Petróleo Britânico, Bem longe do Petróleo… Promotor dos Biocombustíveis, Pirata da Biosfera]. Independentemente de qual o significado actual da abreviatura da BP, uma coisa é certa: este gigante do petróleo reconhece um bom negócio à primeira vista. Em troca de uma contribuição financeira relativamente pequena, a BP apropria-se do saber académico duma importante instituição pública de investigação, alicerçada em 200 anos de apoio social, para maximizar o retorno dos seus investimentos na energia. Estes investimentos, por sua vez, estão concentrados sobretudo na promoção do mercado dos biocombustíveis, a actual coqueluche dos que detêm o poder e que estimulam a mudança enquanto mantêm o "negócio do costume". O que significa que são os trabalhadores no seio dos países desenvolvidos que vão subsidiar a extracção de bens ainda mais ecológicos nos países em desenvolvimento para saciar as elites, que nunca se importam em tirar a comida da boca das pessoas para encher de ouro as algibeiras. A socialização de custos para proveito económico privado não é um fenómeno novo no sistema capitalista. No entanto, este caso significa uma nova deformação na aliança entre ciência aviltada, imperialismo económico e sofisma do "desenvolvimento sustentado".

Combustível novo, barris velhos

Em Fevereiro de 2007, a BP anunciou os seus planos com a Universidade da Califórnia (UC) em Berkeley, em parceria com a Universidade do Illinois e o Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, para liderarem a maior aliança de investigação académico-industrial da história dos EU. O osso de 50 milhões de dólares por ano que a BP vai atirar à Berkeley irá criar o Instituto de Biociências Energéticas (EBI), que concentrará fundamentalmente a sua investigação na biotecnologia para produção de biocombustíveis. "Ao lançar este instituto visionário, a BP está a criar um novo modelo de colaboração universidade-indústria", disse Beth Burnside, vice-chanceler para a Investigação da UC Berkeley (citado em Sanders 2007). À luz do registo histórico da acumulação capitalista, este "modelo novo" para a colaboração universidade-indústria parece um vinho novo numa garrafa antiga: apropriação de um bem social (universidade pública), privatização de propriedade (desenvolvimento intelectual) e comercialização do resultado (produtos de energia intensiva). E deste modo a BP recrutou uma instituição pública como sua subsidiária para arranjar lucros.

Apropriação da academia

Não é a primeira vez que a UC Berkeley enche a gamela empresarial e, como os gastos governamentais com os bens sociais continuam a diminuir, não será certamente a última. Há dez anos Berkeley fez um acordo de investigação com o gigante das sementes Novartis, depois do que uma análise externa à interacção UCB-Novartis recomendou que se evitassem estas parcerias (Altieri e Holt-Gimenez 2007). Apesar disso, a 15 de Novembro de 2007, a BP, a UC Berkeley, o Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e a Universidade de Illinois em Urbana-Champaign anunciaram a assinatura de um polémico pacto por dez anos fundando o Instituto de Biociências Energéticas. O actual negócio com a BP é dez vezes maior do que o negócio da Novartis. Segue-se uma breve descrição desta parceria com a BP:

No contexto nas suas tentativas permanentes de encontrar alternativas comerciais a longo prazo para o petróleo e o gás, a BP anunciou em 2006 que iria investir 500 milhões de dólares durante os próximos 10 anos para instalar o instituto, a primeira instituição pública-privada mundial a esta escala. A tónica do instituto sobre os novos combustíveis integra-se nos objectivos de investigação da UC Berkeley e do Laboratório de Berkeley para o desenvolvimento de fontes sustentadas de energia e com os esforços da Universidade de Illinois para desenvolver matérias-primas biocombustíveis. As três instituições académicas formaram uma parceria estratégica para apresentar à BP uma proposta que foi seleccionada em Fevereiro de 2007 de entre cinco propostas internacionais. (Burress 2007)

Quando os pormenores do contrato final vieram a público, as pessoas ficaram a saber que a BP irá ganhar tecnologia e conhecimentos especializados virados para a obtenção de lucros, deixando de fora grande parte do custo da investigação e do desenvolvimento. Os benefícios para a BP incluem o acesso a cientistas e laboratórios de ponta, os direitos prioritários para negociações de patentes, e o selo da academia e da ciência nos seus novos projectos. O benefício para a universidade é puramente financeiro, embora um terço do dinheiro, pelo menos, vá para os projectos privados da BP no campus. Difícil é dizer qual o benefício para o público. Políticos, funcionários da universidade e gurus pró-mercado enaltecem esta parceria público-privada, enquanto que são marginalizados os críticos da "prostituição" da universidade, que incluem especialistas dos impactos sociais e ambientais dos biocombustíveis,. Isto não é de estranhar dada a natureza antidemocrática do processo em que os pormenores do negócio foram negociados sem qualquer contribuição pública.

Privatização da propriedade (intelectual)

Jennifer Washburn, analisando a corrupção generalizada do ensino superior, explica que o negócio com a BP irá aumentar o controlo que as empresas privadas detêm sobre os programas de acção universitários (Washburn 2007). Com efeito, conforme os cientistas Richard Levins e Richard Lewontin assinalam no seu mais recente livro, Biology Under the Influence (2007), as chamadas parcerias público-privadas estão na moda, e o seu financiamento, um importante factor na orientação da investigação, é, cada vez mais, determinado pelas necessidades da indústria privada com o beneplácito dos governos. Estas "parcerias" são ideologicamente aceites e promovidas, tal como o foram as primitivas apropriações de terras e os esquemas de privatização contemporâneos, como sendo uma evolução natural e inevitável das instituições da sociedade [1] . Os debates relativos à viabilidade cultural, política e tecnológica de soluções com base no mercado para os problemas ambientais e sociais são influenciados directamente pela forma como a ciência interage com a ideologia dominante para moldar e reforçar decisões que afectam o mundo. É preciso confrontar o processo aparentemente natural das tendências degradantes do desenvolvimento capitalista.

Não há almoços de graça nas culturas para biocombustíveis

Tal como a retórica de Esopo utilizada pelo capitalismo para promover a guerra e o imperialismo em nome da democracia, é preocupante o modo como o plano de 10 anos para "investigar" (melhor dizendo, promover) os biocombustíveis menospreza grosseiramente os possíveis danos ecológicos. Não há indícios de que os biocombustíveis possam realmente satisfazer o apetite energético do capitalismo – até agora apenas têm ajudado a destruir as relações ecológicas e sociais. Esta crítica não provém apenas dos que sofrem as consequências imediatas do avanço dos biocombustíveis, mas também de ecologistas no interior das paredes de marfim da UC Berkeley. O Dr. Miguel Altieri, agro-ecologista explica:

Com a promoção de monoculturas mecanizadas em grande escala, que exigem maquinaria e contributos agroquímicos, e com o abate das florestas que captam o carbono para dar lugar às culturas para biocombustíveis, as emissões de CO2 vão aumentar em vez de diminuir. A única maneira de impedir o aquecimento global é promover a agricultura orgânica numa escala pequena e reduzir a utilização de todos os combustíveis, o que exige reduções significativas nos padrões de consumo e o desenvolvimento de sistemas de transportes públicos maciços, áreas que a Universidade da Califórnia devia estar a investigar activamente e em que a BP e os outros parceiros de biocombustíveis nunca investirão um tostão. (Alteri 2007) [2]

Os prejuízos provocados pela produção de biocombustíveis estão a aumentar. Por exemplo, um recente relatório da UNEP/UNESCO prevê o desaparecimento de 98% das florestas da Indonésia em 2022, em grande parte devido à limpeza de terras para plantação de palmeiras para produção de biocombustíveis (Nellemann e Virtue 2007: 6). A Indonésia possui uma das maiores selvas do mundo e um repositório de uma grande porção da biodiversidade do mundo. A par com a desflorestação, a destruição do habitat, a redução da biodiversidade, e os contributos industriais e agrícolas da mono-cultura (incluindo fertilizantes, herbicidas, sementes geneticamente modificadas e água), assistimos à retirada de terras sensíveis dos programas de conservação e a mais poluição da água.

Portanto, a afirmação do projecto BP-Berkeley quanto à sua preocupação ecológica coloca muitas questões [3] . Uma delas, que não é a menos importante, é o próprio historial da BP quanto a destruição ambiental. E o combustível "alternativo" representa apenas a iniciativa mais discutida publicamente do novo instituto. Outros esforços de investigação incluem: "a conversão de hidrocarbonetos pesados em combustíveis limpos, a recuperação melhorada das reservas existentes de petróleo e de gás e o sequestro do carbono" (Brennema 2007). Perante esta agenda de investigação, é fácil entender porque é que os ambientalistas, agricultores e outros críticos em todo o mundo concluem que a principal coisa "verde" que sairá do EBI será o dinheiro.

Quem fica a perder? O imperialismo ecológico e a biopirataria nua e crua

Enquanto os militares americanos abrem as portas de Bagdad a pontapé e patrulham os campos petrolíferos do Médio Oriente e de Africa, as empresas ocidentais esgueiram-se pelas portas das traseiras do sudeste asiático, de Africa e da América latina para se apoderarem de terras e mão-de-obra para os biocombustíveis. Os Estados Unidos não estão sozinhos nesta manobra, mas grande parte da Europa, a Escandinávia, e o Canadá andam também excitados com a possibilidade de vestir de verde os seus negócios. As consequências dos negócios do capitalismo são bem conhecidas. Os agricultores do sul global são proletarizados pelos nortenhos mais ricos e tecnicamente mais experientes. Os cereais geneticamente modificados e as patentes privadas dos produtos vitais põem em perigo a segurança alimentar e ambiental de milhões de pessoas em nome do "progresso" tecnológico e da eficácia na agricultura. No entanto, abundam as cínicas justificações racistas, sexistas e imperialistas para as consequências da produção de biocombustíveis. Podemos ouvi-las a todas na boca dos apoiantes do negócio BP-Berkeley.

O afastamento dos indígenas das selvas limpas para as plantações de palmeiras (Indonésia) e de cana do açúcar (Brasil) é justificada pela nova "democratização" da produção de combustível. A escalada dos custos dos produtos alimentares básicos em todo o mundo é justificada pela necessidade de fornecer às mulheres recursos energéticos visto que são elas quem mais sofre com a tentativa de juntar as pontas sem produtos energéticos contemporâneos "limpos". Estas justificações aparentemente "humanitárias" vêm todas a par de afirmações ridículas feitas por certos políticos de que os biocombustíveis podem fazer acabar com as guerras pelo petróleo – como se fosse o tipo de energia, e não o papel da energia na sociedade capitalista, a causa da corrida global aos recursos.

Estas desculpas para a pilhagem recorrente do mundo em desenvolvimento feita pelos países capitalistas super-desenvolvidos nada mais são do que uma actualização da retórica liberal, imperialista. Embora estas mistificações se apresentem hoje sob a bandeira do "desenvolvimento sustentado", não são diferentes das utilizadas pelos defensores da invasão do Afeganistão que queriam "libertar" as mulheres muçulmanas. No entanto, as vitimas das forças "civilizadoras" e mais recentemente "democratizadoras" do imperialismo capitalista sentiram na pele a sangrenta hipocrisia dos holandeses, britânicos, franceses, e agora dos americanos. No caso dos biocombustíveis, as pessoas têm-se reunido em todo o mundo para protestar contra as ultrajantes afirmações sobre os recursos humanos e ecológicos mundiais feitas pelos países mais ricos que não conseguem abandonar a sua dependência dos combustíveis líquidos, do alastramento suburbano e da acumulação capitalista a qualquer custo.

Conclusão

O caso da BP-Berkeley, os biocombustíveis e o novo imperialismo ecológico demonstram a "irracionalidade de um mundo cientificamente sofisticado" (Levins and Lewontin 1985). A ideia absurda de esperar que a causa da degradação social e ecológica possa ser a sua própria solução estabelece tanta confusão como os argumentos que defendem mais combustíveis líquidos e automóveis alternativos em vez de transportes de massas. É crucial questionar a ciência usada para legitimar a pilhagem de povos e do planeta e avaliar honestamente o que é que se pode tirar para servir o bem comum.

Tal como outros sectores duma sociedade de classes, há cientistas rebeldes que utilizam os seus recursos para denunciar e resistir à opressão. O problema é que, dado o acesso restrito e desigual às instalações de ensino e de investigação, a maior parte dos cientistas ocidentais mantém-se alheado das opressões mais difíceis e quase sempre alheados das consequências das políticas que apoiam através da investigação. Não é difícil imaginar que a urgência em reduzir a procura de combustíveis nos EUA seja um problema diferente para os ogoni da Nigéria ou os bidayuh em Bornéu, que perdem gente e terras a favor do combustível (petróleo e biodiesel), ou para os cientistas do novo instituto da BP em Berkeley. Tal como uma sociedade mais alargada é dominada cada vez mais pelos imperativos de um sistema opressivo de propriedade privada, o "saber e a ignorância são determinados, tal como em toda a investigação científica, por quem possui a indústria da investigação, por quem comanda a produção do saber". Com efeito, "há luta de classes nos debates acerca de qual o tipo de investigação que deve ser feita". (Lewontin and Levins 2007: 319).

Enfrentamos relações de poder cada vez mais desiguais, devido ao desenvolvimento das indústrias de armamento e tóxicas que são ambas mais mortíferas para os seres humanos e para o ambiente do que jamais visto na sociedade humana. Para confrontar a organização de capitalistas, os cientistas têm que se juntar às restantes pessoas da sociedade para recusar o seu trabalho a quem está no poder ao mesmo tempo que tornem mais difícil aos colaboradores com o actual sistema sabotar os nossos esforços. A perspectiva de Lewontin e Levins (2007:217) pode servir-nos de guia eficaz.

Existe… um conflito crescente entre a necessidade urgente da nossa espécie por uma integração e democratização da ciência e a economia e sociologia do saber comercializado que impede esse desenvolvimento. Podemos tentar simplesmente prever, detectar ou tolerar o desfecho desse conflito. Ou podemos aderir à luta para influenciar o que vai acontecer.

[*] Doutorandas na Universidade de Oregon, EUA.

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