2008-09-21

Posso estar enganado, mas parece-me que passados 100 anos o tirocínio continua sob a mesma forma. Não tenho dúvidas (nem posso) de que, com o apoio de “um Estado pluricontinental e multirracial” e “orgulhosamente só”, a CUF foi uma grande empresa, e não só a nível nacional. O meu lamento vai para o que das comemorações oficiais dos “100 anos da CUF” transpira, e que se centra com tanto afinco na figura e na obra de Alfredo da Silva e muito menos nos milhares de trabalhadores que estiveram na base deste império industrial.

A CUF não pagava melhor por generosidade, mas por necessidade em convencer portugueses a trocar uma miséria rural em que sobreviviam pela miséria urbana em que passaram a viver. Foi assim que o Barreiro cresceu e a Baixa da Banheira nasceu. Os bairros operários, e os não distantes bairros dos engenheiros, foram peças de um ardil de um império que se coseu à base de muito suor, GNR e PIDE em porções empiricamente estudadas, sempre avaliadas ao menor sinal de que o caldo não teria o tempero correcto.

A tão valorizada “obra social” foi também um engenho bem pensado e oleado. A medicina no trabalho e apoio à maternidade porque empregados saudáveis e pais descansados produzem mais, um sistema de ensino pronto a fornecer a mão-de-obra qualificada que a empresa necessitava, e uma despensa onde muitos produtos à disposição permitiam à empresa reaver rapidamente muitos dos valores despendidos em salários. E só é de admirar que passados tantos anos, ainda anda por aí muita gente com responsabilidade, de gestão e não só, que não percebeu isto. Afinal este era o país do Fado, Futebol e Fátima, e se dos dois primeiros (especialmente do segundo) o Barreiro não se podia queixar, para a Baixa da Banheira ainda foi encomendada a terceira, com os resultados que se conhecem.

Eu também estou grato à CUF, basta comparar com as corticeiras que abundavam por aqui e onde a miséria era ainda maior, mas sei o que isso custou a muitos que por lá deixaram anos e saúde. Sei, por exemplo, que alguns dos grevistas de 1943 que foram presos em Caxias, quando foram libertados mais de um ano depois e sem julgamento, ao chegaram a casa já nem os filhos os conheciam, e depois foram anos até arranjar outro emprego, porque a fama de grevista é coisa que se cola com muita facilidade mas não é com sabão que se tira. Sei que alguns trabalhadores não chegaram à reforma porque da química já se sabe que os ácidos e as bases nem sempre se combinam nas proporções correctas, e dentro do pulmão é muito mais difícil contar até 3. Não esqueço o país e a época em que a empresa se desenvolveu e também por isso estou grato à CUF, mas mesmo assim, a herança ainda é pesada.

Na passada época futebolística fui assistir ao grande derby barreirense. À chegada cruzei-me com dois adeptos, cada um com o seu cachecol e cada um com a uma bancada de destino. No "até já" entre dois amigos lá veio a memória de outros tempos: “Não te esqueças de mandar um beijinho ao Engenheiro!”, troçou o de vermelho...

5 comentários:

Ana Camarra disse...

Olha venho cá depois com muita calminha que há muito a escrever sobre isso.

Beijos

Zé Ferradura disse...

O que se fez ou se tem feito no Distrito para combater a desindustrialização?

Zé Ferradura

Anónimo disse...

Quem, proveniente de outro planeta, te ouvir zézinho, irá pensar que a desindustrialização é um problema do concelho da Moita e só deste concelho.
Pergunto: no Vale do Ave está tudo bem, mais a norte qual a situação e no sul como é?

No nosso país, qual a situação da indústria das pescas?
Qual a orientação efectiva, nas áreas da investigação e tecnologia para a exploração sustentada dos vastos recursos hidrícos proporcionados pelos 700KM de costa e numa largura de 12 milhas (eram 200 milhas antes das negociações com a UE) que definem a nossa fronteira?
Qual a situação da agricultura?
Qual a situação da indústria naval e de todas as outras?

Analisando com inteligência e honestidade só podemos constatar que a derrocada e consequente fragilidade do tecido económico português tem origem no poder central e na estratégia política, ou falta dela, de desenvolvimento do país (tendo em atenção a classe do trabalho e não, como se assiste, a do capital) e na ausência dos valores/interesses de independência e soberania nacionais durante a negociação, venda, do país à CEE, hoje designada "união" europeia.

A razão maior dos crescentes, profundos e gravíssimos problemas económicos e sociais só pode ser encontrada na orientação ideológica dos partidos da direita (PSD/CDS) e do PS cujas políticas não se destinguem e que ao longo dos 34 anos de regime democrático nos têm, em alternância que nada tem a ver com alternativa, (des)governado.

Com saudações revolucionárias,
O vosso melhor amigo.

Myriade disse...

E onde estaria Portugal sem o dinheiro da "maldita" U.E ????

Anónimo disse...

E onde estaria Portugal se houvesse respeito pela educação, pela salvaguarda (com mais ou menos remodelações) da estrutura económica e com a consequente subsistência da população?

Em resumo (ao que referi no comentário das 9:44PM,22Setembro), se tivessem observado os princípios de independência e soberania nacionais, com toda a certeza estávamos numa situação completamente diferente, para muito melhor, daquela em que nos encontramos.
Evidentemente, como se confirma, isso não foi nem se perspectiva que possa algum dia vir a ser possivel com os partidos dominantes,PSD/PS e seus satélites CDS e...

O que está em causa não é o entendimento e a unidade entre os povos e em concreto o Europeu, mas a lógica globalizadora na perspectiva do capital neo-liberal e selvagem, com resultados como os recentemente verificados nos USA.

Com saudações revolucionárias,
O vosso melhor amigo.