2006-04-02

As brincadeiras despreocupadas de criança, numa terra onde a Revolução de Abril foi recebida com uma explosão de alegria, fizeram com que a quase totalidade das minhas primeiras recordações de infância seja bastante felizes.

Os espaços por preencher entre os prédios da minha rua transformavam-se em recreios para jogar ao espeta e ao pião, ou a qualquer outra coisa que eu e os outros miúdos da minha rua, alguns deles hoje amigos para a vida, nos lembrássemos. Mais a baixo estava o que ainda restava da Quinta do Petinga, e que oferecia as velhas figueiras, oliveiras e laranjeiras para treparmos. Logo ali atrás estava o Parque Estrela Vermelha com os seus baloiços e campo de jogos. Junto ao rio, as salinas eram outro mundo que começávamos a explorar.

No meio de toda esta alegria, aquelas que possivelmente serão as primeiras imagens que retive prenderam-se na preocupação e ansiedade, como sempre mal escondida, com que a minha mãe olhava naquele dia as notícias na televisão. O meu pai estava ausente e era por ele que nós procurávamos enquanto uma pequena televisão, emprestada por um amigo, debitava imagens do Parlamento. Passa uma figura magra, de cabeleira farta e óculos que nos acena. Ali estava ele. Voltou algum tempo depois, exausto e de barba por fazer. Anos mais tarde identifiquei este episódio com o cerco à Assembleia Constituinte, em vésperas do golpe de 25 de Novembro.

Hoje não posso assegurar que a tal figura seria efectivamente o meu pai, nem mesmo se a chegada fosse a referente a estes dias, pois também me lembro das vigílias no Centro de Trabalho e das barricadas no 25 de Novembro, mas as memórias são assim, e estas são as minhas.

Faz hoje 30 anos que foi votada e aprovada a Constituição da República Portuguesa, e entre aqueles que colocaram em Lei a nossa jovem democracia estava um jovem de 33 anos, banheirense, eleito no círculo eleitoral de Setúbal, pelas listas do PCP.

4 comentários:

Carlos (Brocas) disse...

Na época (25/04) residia nessa zona também mas me consigo lembrar da já existência do Parque. Calhando brincamos juntos.

nunocavaco disse...

É um orgulho ser português, banheirense e ter amigos como aquele que escreveu o post.

Anónimo disse...

Muito bem! Homenagem sentida do filho, joão, para o pai, José.

Anónimo disse...

Viva a Amizade:)