2007-02-09

José Afonso, re-ligar o seu legado

Passados vinte anos após a morte de José Afonso, desdobram-se e dobram-se iniciativas sobre o seu legado. Fica presente que é preciso muito para saber e poder continuar a exercer a liberdade que o José Afonso construiu connosco e para nós, mas que aquela força, da Luta que nunca é vencida, ficou cravada para sempre na nossa memória colectiva. Lembremos, pois, um legado português pleno de pragmatismo revolucionário, de coragem e lealdade humana. E se hoje estas palavras têm gosto e sentido, se as dizemos sem embaraço, será talvez, também, porque ele as cantou, e porque foi um homem que entre outras coisas cantava.

Experimentemos soltar umas quantas palavras sobre o José Afonso: liberdade; coragem e despojamento; esperança viva feita de horizontes musicados e de convívio; luta incansável por um colectivo fraterno; música que fala do ocorrido e que é reivindicada para a contestação popular; música que recupera e transforma a tradição melódica portuguesa e o imaginário dessa mesma tradição...

O maestro António Vitorino de Almeida referiu que o Carlos Paredes e o José Afonso foram os dois maiores compositores portugueses do século XX. Com ele, outros o referem, musicólogos e músicos. Para José Mário Branco, com José Afonso a forma musical da “canção popular” atinge uma grande qualidade estética, equalizando-a à de Bob Dylan, Chico Buarque, Brel... Desde a balada coimbrã à sua vivência em África, inúmeras são as fontes da cultura humanista do José Afonso, que assimila e vive: “praticar a liberdade dá asas à criação” (disse José Mário Branco para a Associação José Afonso). Como também e nesse sentido, procurou sempre ser um agente activo do seu tempo e do seu espaço, mais do que alguém que procura formas musicais “eternas” (por mais bem conseguidas que fossem as suas). E esta dimensão real, que é o seu legado, da palavra, do som e do comportamento, permanece e deve ser sempre cuidada. Não faltarão “vampiros” da burocracia procurando confundi-la com a música comercial dos “eunucos” (vazia de intenções libertadoras e contestatárias).

O “nacional-cançonetismo” também se transforma. Por exemplo, hoje, sob o signo do amor (provavelmente o tema mais cantado no mundo e em todos os tempos, um tema neutro e transversal a todos nós) e não importando a qualidade musical, faz-se um apelo fortíssimo ao mero sentimento do indivíduo que se vira para si próprio. Os nossos sentimentos privados tornam-se dominantes, e por vezes sem qualquer critério, dividem-nos em pseudo-comunidades, isolam-nos e prendem-nos nas nossas próprias capacidades de pensar e de sentir, incapacitam-nos de pensar em colectivo, de olhar o outro sem ser um objecto ou um instrumento em função do nosso consumo que nos consome. Como poucos, José Afonso falou de amor, mas de um amor que é aberto ao que nos rodeia, que trata da nossa relação com o mundo, que diz respeito a essa correspondência.

Não será por acaso a desproporção, e cada vez mais acentuada, existente entre os interesses privados e os interesses públicos na nossa sociedade. Como também não foi por acaso que José Afonso tenha recusado a Ordem da Liberdade, e que depois de morrer, a título póstumo, a viúva tivesse mantido a sua posição.

Deste amante do PREC (Processo Revolucionário Em Curso), que ainda se ouve cantar como um amigo maior que o pensamento, a sua coragem e ímpeto, a maneira como a sua presença nos homenageou, são formas sempre re-encontradas e re-ligadas para um mundo melhor.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Não será por acaso a desproporção, e cada vez mais acentuada, existente entre os interesses privados e os interesses públicos na nossa sociedade."

Explica isso ó Nunocas, para ele dizer ao chefe Garcia e ele explicador ao Lobão.

nunocavaco disse...

Olha lá que quem escreveu isto foi o Daniel. a tua obcessão por mim não te deixa ler correctamente, então não viste que o texto está bem escrito de mais para ser meu?