2006-03-31


-O Ricardo tem um imaginário estranho. Muitas pessoas devem olhar para estes desenhos e achar que é “maluco”.
-Pois devem achar. Uma coisa na arte do séc. XX que ainda faz confusão a muita gente e que é no fundo libertadora, foi o facto de, ao apropriar-se das práticas artísticas não-ocidentais, das construções dos doentes mentais e do inconsciente, do lúdico das crianças, etc..., a arte pode expandir a sua linguagem e a nossa relação com o mundo.
-Diria que descobrimos a arbitrariedade da ordem que impomos à nossa realidade. Essa partilha profunda do outro, que vemos nos trabalhos desses artistas e também nos do Ricardo, parece uma ida não à fonte da vida mas à fonte do estranho. E como estranhas são hoje as fontes...
-E não é a vida também estranha? O menino que foge de casa para não ser agredido (um caso de há três semanas atrás) leva a sua cara na trouxa. Que dirá ele da vida? Não seremos cada um de nós uma sala-de-estar desse confronto de realidades estranhas?
-O outro que eu falava, era como um lugar de associações no pensamento entre o quotidiano e aquilo que achamos que somos. Também já fazia parte de nós... concordo contigo. Ao olhar para estes trabalhos, parece-me uma coisa: existem bichos que em momentos de apuros, fingem que estão mortos; o Ricardo parece fingir que está vivo.
-Curioso. Li há pouco tempo que somos muito daquilo que as representações fazem de nós (cinema, televisão, os mass media em geral, a moda...). O problema está em que as representações, que teriam o simples propósito de mediar a nossa experiência, neste momento estão antes da nossa relação com a realidade. São elas que nos ditam o que somos, o que desejamos, quem são os outros e o que é a realidade. Coisas mortas, sem vida... fazendo a verdade.
-Eu acho que o Ricardo sabe disso. Parece que se interessa sobre a verdade... crua, contraditória e agressora do seu quotidiano. A frontalidade e a sinceridade com que se expõe, porque sei que são representações de percursos auto-biográficos, impede-o de fingir que representa a verdade (como o Pessoa). A questão está aqui: ninguém finge que está vivo, a não ser que se considere morto. Então, ele precisa de fingir duas vezes ao mesmo tempo, para falar na língua comum dos mortos e dos vivos: daquilo que sente e percepciona, da ficção e da verdade.
-Dá-me tempo e voltemos amanhã porque o que dizes faz sentido.

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito criativo, gostei, vou ver a exposição

nunocavaco disse...

Boa sorte para o ricardo.

Anónimo disse...

Um artista a seguir!